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domingo, 6 de setembro de 2015

Artigo - O governador Renan Filho, o salário dos servidores e a crise financeira do Estado

Roberto Ramalho é advogado e servidor público estadual

Em matéria publicada no jornal Gazeta de Alagoas, edição desse domingo 06.09.2015, o Secretário da Fazenda alertou para a possibilidade de parcelar os salários dos servidores públicos estaduais. 

Segundo George Santoro, se a arrecadação continuar despencando o Estado não sabe se poderá pagar o salário de dezembro e o 13° salário.

Diz um trecho da matéria do jornal Gazeta de Alagoas desse domingo: "Se a crise aprofundar e a arrecadação despencar novamente, como deve acontecer em setembro, segundo os cálculos de economistas como Cícero Perícles (professor doutor da Universidade Federal de Alagoas), o governo pode adotar medidas mais duras e aí não descarta nem a possibilidade de parcelamento da folha. 

E cita o governador Renan Filho afirmando: “Estamos trabalhando forte para evitar isto [o parcelamento dos salários], mas tudo é possível se houver novas quedas financeiras”.

Segundo a presidente Lúcia Maria Beltrão Nunes quem segura positivamente a arrecadação de Alagoas é o tributo recolhido do comércio de um modo geral, que de janeiro a julho superou a casa dos R$ 1,8 bilhão, o que representa um crescimento real de R$ 141,9 milhões em relação ao mesmo período do ano passado, disse à Gazeta de Alagoas deste domingo. 

Assim sendo, existem condições de se pagar - segundo cálculos do sindicato - o reajuste salarial concedido ao funcionalismo público - incluindo as polícias - cujo impacto na folha será de 11%.

Essa tentativa do governador Renan Filho vir a pagar o salário dos servidores públicos de maneira parcelada fere de morte os princípios da irredutibilidade salarial e do direito adquirido, presentes na Constituição Federal de 1988, constituindo-se tal ato numa afronta, portanto, ao Direito, que um direito adquirido podendo resultar em prejuízo do seu titular. 

O direito adquirido, segundo lição elementar, é uma garantia individual instituída com o objetivo de dar segurança jurídica aos cidadãos. Dessa forma, não pode o Estado invocá-lo em benefício próprio, contra o seu próprio titular, especialmente nas relações gerais decorrentes do direito estatutário. 

Assim sendo, é possível afirmar que o servidor titular de uma situação jurídica definitivamente constituída à luz de determinada legislação pode ser alcançado por normatividade superveniente, desde que disso lhe resulte uma outra situação mais benéfica e nunca prejudicial.

A regra constitucional da irredutibilidade de vencimentos não escapou à Reforma Administrativa aprovada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1998 (1).

Seu campo de incidência original restou limitado pelo legislador constituinte derivado em razão do acréscimo de uma nova exceção àquelas inicialmente previstas no texto constitucional de 1988. Vejamos ambas as redações, a anterior e a vigente:

“XV – os vencimentos do servidores públicos são irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os artigos 37, XI e XII, 150, II, 153, III e § 2º, I.” (2)

“XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos artigos 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.”

Interpretando os dois textos, empreende-se, originalmente, ficavam excluídas do alcance da regra da irredutibilidade de vencimentos as disposições relativas aos limites máximos de remuneração (artigo 37, XI e XII) e as normas atinentes à cobrança de tributos, notadamente do imposto sobre a renda (artigos 150, II, 153, III e 153, § 2º, I). O objetivo, segundo meu entendimento, e do então legislador constituinte originário — mantido inalterado com a E.C. n.º 18/98 — era explicitar que eventual redução de vencimentos efetuada para adequação aos limites constitucionais (ao dito “teto remuneratório”) ou por força da incidência isonômica de tributos, mormente do imposto de renda, não seria considerada atentado à garantia constitucional do inciso do artigo 37, XV1. (3). Isso é uma outra situação.

Sucede que a Emenda Constitucional n.º 19/98 fez incluir na redação da garantia da irredutibilidade uma nova ressalva, qual seja a do inciso XIV do próprio artigo 37 (4). Referido dispositivo, como sabido, proíbe a famosa incidência em cascata de vantagens componentes da remuneração dos servidores públicos e foi igualmente alterado pela Emenda Constitucional n.º 19/98(5).

Doc. LEGJUR 151.6754.0000.1900. STF. Recurso extraordinário. Servidor público. Salário. Irredutibilidade. Repercussão geral reconhecida. Tema 514. Julgamento do mérito. Odontologistas da rede pública. Aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retribuição remuneratória. Desrespeito ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos. CF/88, artigos 5º, XXVI, 7º, VI, 39, § 1º, II. CF/88, artigo 102, III e § 3º. Lei 8.038/1990, artigo 26. CPC, artigo 543-A.

Doc. LEGJUR 143.2502.8004.1500. STJ. Processual civil e administrativo. Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso especial. Servidor público federal. Índice de 11,98%. Lei 10.475/2002. Absorção. Preservada a irredutibilidade de vencimentos e proventos. Agravo desprovido. «- O STJ possui orientação no sentido de que, após a implantação do plano de carreiras previsto na Lei 10.475/2002, o índice de 11,98% foi absorvido, devendo ser preservada a irredutibilidade de vencimentos, mediante o pagamento de eventuais diferenças como direito individual. Precedentes. - In casu, inafastável a incidência da Súmula 83/STJ. Agravo regimental desprovido.»

Doc. LEGJUR 135.0080.7000.0000. STF. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Administrativo. Servidor público. Inexistência de direito adquirido à regime jurídico. Base de cálculo de vantagens pessoais. Efeito cascata: proibição constitucional. Precedentes. Impossibilidade de redução dos vencimentos. Princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Recurso ao qual se dá parcial provimento. Considerações da Minª. Carmém Lúcia sobre o tema. CF/88, artigos 5º, XXXVI e 37, XIV e XV. Emenda Constitucional n° 19/1998. CPC, artigo 543-A.

Concluindo, observa-se que não existe nenhuma possibilidade legal e nem constitucional de o Estado de Alagoas poder parcelar o salário dos servidores públicos estaduais, podendo o Excelentíssimo Senhor Governador responder pela prática de improbidade administrativa e por crime de responsabilidade, devidamente expressos em textos jurídicos que é do conhecimento da Procuradoria Geral do Estado, órgão de sustentação e de consulta do referido gestor público. E quem pensa que o governador Renan Filho está fazendo o dever de casa, bem como uma reforma administrativa pra valer, adotando princípios de gestão e governança está totalmente equivocado. Na verdade ele está loteando os cargos comissionados para obter apoio na Assembleia Legislativa. Tem muita gente que foi nomeada para exercer cargos de chefia e de comando e que não tem a devida competência e experiência. Lamentável!

Referência

(1) Na verdade, a alteração promovida pela E.C. n.º 19/98 já é a segunda por que passa a norma em comento. Antes da Reforma Administrativa, a redação inicial do artigo 37, XV, foi modificada pela E.C. n.º 18/98, que apenas excluiu do texto originário a expressão “civis e militares”, que ficava situada logo após servidores públicos, sem maiores alterações quanto ao seu âmbito de aplicação. Era a seguinte a redação vigente antes da E.C. n.º 18/98:“XV – os vencimentos do servidores públicos, civis e militares, são irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os artigos 37, XI, XII, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”. 

(2) Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 18/98. Ver nota supra. 

(3) Veja, a propósito, FERREIRA, Sérgio de Andréa. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1991. v. 3, p.437.

(4) A ressalva, em face da incidência tributária, tem sua origem em debates travados na vigência de Constituições anteriores quando, ao argumento da irredutibilidade dos seus vencimentos, magistrados pretendiam furtar-se ao pagamento de imposto sobre a renda e de contribuições previdenciárias e assistenciais. Entretanto, já antes do texto constitucional de 1988, decidiu o STF que o princípio da irredutibilidade de vencimentos de juízes não alcançava os tributos gerais, mas tão-somente aqueles de caráter especial ou discriminatório. Observar, nesse sentido, o RE 70248-GB, DJU 5/3/71 e o RE70238-RS, DJU 5/9/75, apud BASTOS, Celso Ribeiro.

(5) Significado constitucional da irredutibilidade de vencimentos. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 28, p. 157 jul./set. 1999.
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