Artigo: O Papa, a tortura, e as
legislações internacionais e nacionais
Roberto Ramalho é advogado,
jornalista, blogueiro e pesquisador
O papa Francisco condenou na
festa de Corpus Christi (Corpo de Cristo), a tortura e instou os fiéis
católicos de todo o mundo a trabalhar para abolir esta prática
abominável, assim como para ajudar as vítimas dela e suas famílias.
Disse o pontífice perante
milhares de pessoas que estavam na Praça São Pedro: "No próximo dia
26.06.14, terá lugar a Jornada Internacional das Nações Unidas para a apoiar
as vítimas de tortura. Nesta circunstância, reitero a firme condenação de
qualquer forma de tortura".
E foi o que aconteceu. O assunto
foi debatido com exaustão.
O Papa Francisco também afirmou
que a tortura é um grave pecado. Antes, o papa recordou a importância de
praticar a caridade com o próximo, de "dar esperança aos que a perderam e
de acolher os excluídos", em uma reflexão após a oração do Angelus (oração
do Anjo, rezada ao meio-dia).
Francisco também se referiu ao
dom que Jesus deu aos católicos, no dia em que se celebra a festa do corpo e
sangue de Cristo. "Jesus não veio ao mundo para dar qualquer coisa, e sim
para dar a sua própria vida como alimento aos que têm fé nele", disse o
sumo pontífice.
As festividades em louvor de
Corpus Christi foram instituídas pelo papa Urbano IV em 1264.
Em 1263, um sacerdote da Boêmia,
Pedro de Praga, dirigia-se a Roma quando parou na cidade
vizinha de Bolsena para celebrar missa. Na oportunidade o padre duvidou da
presença real de Cristo na Eucaristia e pediu a Deus "um sinal". De
acordo com a tradição católica, algumas gotas de sangue emanaram de forma
imprevista da hóstia sagrada e caíram sobre o tecido que se estende no altar para
por o pão e vinho sagrados, pano que está guardado na catedral de Orvieto, no
centro de Itália.
O termo tortura provém do
latim tortum, que quer dizer uma espécie de corda utilizada como
instrumento de tortura.
Posteriormente, surgiu
o tortur, que significa “o que submete à tortura” (FARIA: 1988, p. 551).
A tortura foi praticada durante
séculos, principalmente sob o comando dos imperadores romanos, durante a idade
média, sobretudo pela Igreja católica, ao perseguir filósofos e pensadores,
considerando-os hereges, e as mulheres, que defendiam e lutavam por seus
direitos e eram vistas como bruxas.
O Wikipedia define tortura como
“a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, intimidação,
punição, para obtenção de uma confissão, informação ou simplesmente por prazer da
pessoa que tortura”.
Também houve tortura quando das
colonizações feitas pelos impérios britânico e por franceses, portugueses e
espanhóis, bem como durante as 1ª e 2ª guerra mundiais, e, sobretudo, nas
ditaduras militares da América Latina e também nas ditaduras europeias, e,
ainda hoje, como forma de confissão de crimes.
Observe-se, contudo, que desde a
promulgação da Constituição de 1988 a tortura passou a ser absolutamente
proibida.
Porém, o legislador
constitucional não definiu a sua prática. O artigo 5º, III, assegura que
“ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Nossa Carta Magna também prevê no seu artigo 5º, XLIX, que “é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral”.
Também, ela dispõe, em seu artigo
5º, XLIII, que a tortura compõe o rol dos crimes mais graves no Brasil, sendo
por isso inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, omitirem-se.
Em 15 de fevereiro de 1991 o
Brasil aderiu à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes firmada pela ONU.
Nosso país também é signatário da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional para a
Defesa de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Interamericana Para Prevenir
e Punir a Tortura e da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), o que o torna apto internacionalmente a prevenir e punir a
prática da tortura.
Entretanto, mesmo o Brasil sendo
signatário dessas convenções, não havia a tipificação do crime de tortura em
nosso ordenamento jurídico, pois apesar do Código Penal prever a tortura em seu
artigo 61, III, “d”, essa era tida apenas como uma circunstância agravante.
Outro texto legal, O Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, menciona, por sua vez, o crime de
tortura apenas em face de crianças e adolescentes em seu artigo 233, não
trazendo em seu bojo nenhuma definição sobre essa prática cruel.
Contudo, com o advento da Lei nº
8.072/90, o crime de tortura foi equiparado a crime hediondo em seu artigo 2º,
dispondo que tanto os crimes hediondos, como a prática da tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, são insuscetíveis de
anistia, graça, indulto e fiança.
Sob forte influência de textos
internacionais, como as convenções internacionais mencionadas e diante da
gravidade do crime de tortura, em sete de abril de 1997 foi introduzido no
Brasil uma lei específica sobre a matéria.
A Lei nº 9.455 trouxe em seu bojo
algumas variações da tortura, considerando-a um crime comum praticado por
particular ou agente público, sendo que a este é aplicada pena mais gravosa,
por ser ele um servidor público do Estado.
Essa Lei define o crime de
tortura da seguinte forma:
Artigo 1º. Constitui crime de
tortura:
I - constranger alguém com
emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e
mental:
a) com o fim de obter informação,
declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão
de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação
racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua
guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou
medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito
anos.
Por atentar contra a liberdade e
a dignidade do indivíduo, a tortura é um dos crimes mais repudiados pela
sociedade em seu todo. Por essa razão, como bem afirma Franco (1997, p.61), “A
tortura deve ser castigada em si mesma e por si mesma, em razão de seus
detestáveis métodos e por seus fins contrários à liberdade e dignidade”.
É importante ressaltar e afirmar
que a prática da tortura ainda está presente em nosso cotidiano, principalmente
em relação às condutas de um determinado grupo de policiais civis e militares
que se utilizam do cargo para constranger, com emprego de violência ou grave
ameaça, os investigados e acusados de terem cometido algum delito,
causando-lhes sofrimento físico ou mental.
De acordo com Madeira (2007, p.
209), “após 20 anos (hoje já são 26 anos) de redemocratização e égide de uma
Constituição Cidadã, que preceitua a garantia de direitos fundamentais de toda
espécie, deparamo-nos continuamente com violações de direitos humanos”.
Concluindo, o Brasil avançou
muito em termos de legislação que pune a tortura, além de acatar legislações
internacionais e aceita-las no âmbito da nossa estrutura jurídica em matéria de
direito internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em www.planalto.gov.br/Acesso em 22 de junho de 2014.
Lei nº 9.455, de 07 de abril de
1997. Define
os crimes de tortura, e dá outras providências. Disponível em
www.planalto.gov.br/Acesso em 22 de junho de 2014.
FARIA, Ernesto. Dicionário
escolar latino português. 6ª ed. Rio de Janeiro: FAE, 1988.
FRANCO, Alberto Silva. Tortura,
breves anotações sobre a Lei 9.455/97. In: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n. 19, julho/setembro, 1997, p. 55-72.
MADEIRA, Lígia Mori. A tortura na
história e a (ir)racionalidade do poder de punir. Panóptica, ano 1,
nº 8, maio-junho, 2007.
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