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domingo, 30 de março de 2014



Artigo: O presidente Ernesto Geisel e o seu papel no retorno à democracia no Brasil, pós Regime Militar de 1964 – 1ª Parte
Roberto Ramalho é advogado, jornalista, relações públicas e estudioso de assuntos políticos e jurídicos
I - A posse do presidente Geisel, sua política externa agressiva e a abertura lenta e gradual para o Regime Democrático.
Empossado pelo Congresso Nacional após sua vitória em eleição indireta no Congresso Nacional contra o ex-presidente nacional do MDB e depois PMDB, Ulisses Guimarães, o general Ernesto Geisel já tinha em mente o restabelecimento do Regime Democrático no Brasil anos depois.
No dia 19 de março, o presidente se reuniu pela primeira vez com seu ministério, composto pelo general Golbery do Couto e Silva (Gabinete Civil), general Hugo Abreu (Gabinete Militar), general Vicente de Paulo Dale Coutinho (Exército), almirante Geraldo Henning (Marinha), brigadeiro Joelmir de Araripe Macedo (Aeronáutica), Mário Henrique Simonsen (Fazenda), Armando Falcão (Justiça), Antônio Francisco Azeredo da Silveira (Relações Exteriores), Arnaldo Prieto (Trabalho), Nei Braga (Educação e Cultura), Alisson Paulinelli (Agricultura), Dirceu Nogueira (Transportes), Euclides Quandt de Oliveira (Comunicações), Shigeaki Ueki (Minas e Energia), Severo Gomes (Indústria e Comércio), Paulo Machado (Saúde), João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Maurício Rangel Reis (Interior).
Nesse momento ainda não fazia parte do ministério o general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), e que seria um dos maiores responsáveis em ajudar Geisel na preparação ao retorno à democracia, avisando o momento certo de duas tentativas de golpe dentro do golpe e do retorno ao regime de linha dura, cujo cargo passaria a ser considerado equivalente ao de ministro somente a partir de 1º de maio seguinte.
Em discurso pronunciado no dia 29 de agosto e considerado pela imprensa na época como o mais importante desde o início de seu governo, Geisel definiu de forma mais clara seu projeto político como de "distensão lenta, gradual e segura". Traduzindo o tradicional binômio "desenvolvimento e segurança" formulado pela ESG, esse projeto defendia "o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável". Ao aplicá-lo, Geisel iria continuar uma política de abertura com frequentes reafirmações de sua autoridade e seu controle sobre o processo em curso.
Sendo o primeiro país a reconhecer o governo português de linha socialista formado em seguida à derrubada da ditadura salazarista no dia 25 de abril de 1974, viria e estabelecer relações diplomáticas com os Emirados Árabes e o Bahrein em junho e, em 18 de julho seguinte, apoiou o ingresso de Guiné Bissau na Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecendo assim a independência dessa antiga colônia portuguesa.
Além de em julho, ter estabelecido relações diplomáticas com Omã e percebendo a necessidade de "realinhamentos inevitáveis" na política externa, a Presidência da República e o Itamarati realizaram um trabalho de preparação junto ao Conselho de Segurança Nacional, à ESG e outras instituições formuladoras das estratégias nacionais para dar suporte político e, pragmático e ideológico a principal decisão do governo nesse período: o reatamento das relações diplomáticas com a República Popular da China, realizado em 15 de agosto de 1974 durante a visita de uma missão desse país ao Brasil.
Na mesma data, foi firmado um compromisso comercial entre os dois países, pouco tempo depois, como já era esperado, a China Nacionalista (Formosa ou Taiwan) romperia relações diplomáticas com o Brasil.
As atitudes de seu governo em relação a uma nova política externa começou a incomodar Os Estados Unidos que não via com bons olhos as atitudes do Brasil.
Tudo começou quando na segunda quinzena de outubro e nos primeiros dias de novembro de 1975, Geisel iniciou uma série de decisões aprofundando a linha pragmática de sua política externa, embora algumas delas tenham sido contestadas pelos setores mais conservadores do próprio governo.
Num ato inédito de seu governo em 17 de outubro, a Companhia Brasileira de Entrepostos e Comércio fecharia um contrato de exportação de trezentas mil toneladas de soja para a União Soviética.
Além disso, no dia seguinte a delegação brasileira na ONU votaria a favor de uma moção que condenava o sionismo, política adotada pelo governo de Israel em relação aos países árabes do Oriente Médio - como uma forma de discriminação racial, provocando uma nota oficial de desaprovação enviada ao Itamarati pelo governo norte-americano.
Em razão desse ato, foi amplamente divulgado que a mudança da posição brasileira em relação ao Oriente Médio estava ligada diretamente à necessidade de aproximação com os países árabes exportadores de petróleo, inimigos de Israel.
De acordo com o Jornal do Brasil de 14 de março de 1976, o chanceler Azeredo da Silveira teria declarado ao chanceler americano Henry Kissinger, seu colega de diplomacia que "se vocês tivessem um milhão de barris de petróleo para nos fornecer diariamente, talvez essa mudança não fosse tão brusca".
Entretanto a política externa brasileira não parava por ai. No dia 5 de novembro de 1975, o Brasil tomaria uma decisão histórica ao votar a favor de um projeto de resolução da ONU que condenava o regime racista da África do Sul ao mesmo tempo em que recomendava a suspensão do fornecimento de matérias-primas estratégicas para esse país.
Porém a decisão mais controversa desse período, entretanto, foi o reconhecimento, em 10 de novembro, do governo angolano em fase de implantação pelo pró-comunista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cujas forças militares, em grande parte apoiadas por tropas cubanas, e financiadas por este governo estavam derrotando no campo de batalha os outros dois grupos rivais, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que lutavam ao lado de tropas do governo da África do Sul e recebiam apoio material e maciço dos Estados Unidos, de outras nações ocidentais e da China.
Através do parecer de seu representante em Luanda, ministro Ovídio de Andrade Melo, o governo brasileiro tornar-se-ia o primeiro a reconhecer a República Popular de Angola, proclamada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) pouco depois de consolidar seu controle sobre a capital do país. Apesar de duramente criticada na ocasião, essa decisão foi fortalecida pela evolução da guerra civil, favorável ao MPLA, como da mesma forma viria posteriormente seu governo, mesmo de tendência- marxista-leninista ser reconhecido pela maioria dos países do mundo.
Também em 14 de novembro, o Itamarati anunciaria o estabelecimento de relações diplomáticas em nível de embaixada com Moçambique, outra antiga colônia portuguesa na África e também governada nessa época pelos líderes da guerrilha de tendência marxista-leninista.
Internamente, ainda em 1974, nas eleições para o parlamento, o governo do presidente Geisel também viria a aceitar a derrota para o MDB, partido de oposição ao seu governo, quando conseguiu eleger 16 senadores em Estados importantes da Federação, embora ainda tivesse a maioria no senado através der seu partido político, a ARENA.
A bancada de deputados federais do MDB também aumentaria consideravelmente chegando a ultrapassar 150 (cento e cinquenta) membros e a ARENA tendo uma redução considerável com menos de 200 (duzentos) deputados, embora ainda mantivesse a maioria.
No dia 26 de outubro de 1975, o general Ednardo D’Ávila Melo, comandante do II Exército, havia distribuído nota oficial comunicando que o jornalista Vladimir Herzog fora encontrado morto por enforcamento em uma das celas do Centro de Operações para a Defesa Interna, ligado ao Departamento de Operações Internas e conhecido pela sigla DOI-CODI, organismo militar responsável pela coordenação dos diversos centros de polícia política em cada região.
O jornalista Vladimir Herzog era na época do fato o diretor-responsável do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo e editor de cultura da revista Visão. Sua morte causaria grande impacto e repercussão na opinião pública o que viria a causar forte suspeição à versão oficial.
Segundo as fontes citadas, o secretário de Imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto, revelaria então pela primeira vez o clima de confrontação existente entre o presidente e os órgãos de repressão política, especialmente os de São Paulo, contestadores da distensão e ligados ao ministro do Exército, general Sílvio Frota.
Em decorrência desse fato o seu secretário de imprensa Humberto Barreto chegara a pedir demissão de seu cargo, mas fora convencido a permanecer pelo próprio Geisel, que revelara necessitar de pessoas fiéis para desarticular o esquema adversário.
Geisel já sabia que alguns militares de alta patente do Exército já articulavam um golpe militar para depô-lo, mas tinha um homem de extrema lealdade e confiança que já vinha há muito tempo monitorando todos os acontecimentos: esse homem era nada mais nada menos que seu ministro Chefe de Segurança de Nacional, general João Baptista de Oliveira Figueiredo que o sucederia na presidência da República levando o Brasil ao retorno ao regime democrático.
Com a aproximação da missa de sétimo dia pela alma do Jornalista Vladimir Herzog, o então ministro Golberi do Couto e Silva transmitiu recomendações aos Jornalistas paulistas para que não aceitassem e evitassem provocações capazes de radicalizar ainda mais a situação.
A missa seria rezada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, um dos maiores críticos do Regime Militar e reuniria milhares de pessoas na Catedral da Sé em um ambiente de grande tensão, acabando por tornar-se a primeira manifestação política de envergadura contra o governo do presidente Ernesto Geisel.





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