Artigo: O presidente Ernesto Geisel e o seu papel no retorno
à democracia no Brasil, pós Regime Militar de 1964 – 1ª Parte
Roberto Ramalho é advogado, jornalista, relações públicas e
estudioso de assuntos políticos e jurídicos
I - A posse do presidente Geisel, sua política externa
agressiva e a abertura lenta e gradual para o Regime Democrático.
Empossado
pelo Congresso Nacional após sua vitória em eleição indireta no Congresso
Nacional contra o ex-presidente nacional do MDB e depois PMDB, Ulisses
Guimarães, o general Ernesto Geisel já tinha em mente o restabelecimento do
Regime Democrático no Brasil anos depois.
No
dia 19 de março, o presidente se reuniu pela primeira vez com seu ministério,
composto pelo general Golbery do Couto e Silva (Gabinete Civil), general Hugo
Abreu (Gabinete Militar), general Vicente de Paulo Dale Coutinho (Exército),
almirante Geraldo Henning (Marinha), brigadeiro Joelmir de Araripe Macedo
(Aeronáutica), Mário Henrique Simonsen (Fazenda), Armando Falcão (Justiça),
Antônio Francisco Azeredo da Silveira (Relações Exteriores), Arnaldo Prieto
(Trabalho), Nei Braga (Educação e Cultura), Alisson Paulinelli (Agricultura),
Dirceu Nogueira (Transportes), Euclides Quandt de Oliveira (Comunicações),
Shigeaki Ueki (Minas e Energia), Severo Gomes (Indústria e Comércio), Paulo
Machado (Saúde), João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e Maurício Rangel
Reis (Interior).
Nesse
momento ainda não fazia parte do ministério o general João Batista Figueiredo,
chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), e que seria um dos maiores
responsáveis em ajudar Geisel na preparação ao retorno à democracia, avisando o
momento certo de duas tentativas de golpe dentro do golpe e do retorno ao
regime de linha dura, cujo cargo passaria a ser considerado equivalente ao de
ministro somente a partir de 1º de maio seguinte.
Em
discurso pronunciado no dia 29 de agosto e considerado pela imprensa na época
como o mais importante desde o início de seu governo, Geisel definiu de forma
mais clara seu projeto político como de "distensão lenta, gradual e
segura". Traduzindo o tradicional binômio "desenvolvimento e
segurança" formulado pela ESG, esse projeto defendia "o máximo de
desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável". Ao
aplicá-lo, Geisel iria continuar uma política de abertura com frequentes
reafirmações de sua autoridade e seu controle sobre o processo em curso.
Sendo
o primeiro país a reconhecer o governo português de linha socialista formado em
seguida à derrubada da ditadura salazarista no dia 25 de abril de 1974, viria e
estabelecer relações diplomáticas com os Emirados Árabes e o Bahrein em junho
e, em 18 de julho seguinte, apoiou o ingresso de Guiné Bissau na Organização
das Nações Unidas (ONU), reconhecendo assim a independência dessa antiga
colônia portuguesa.
Além
de em julho, ter estabelecido relações diplomáticas com Omã e percebendo a
necessidade de "realinhamentos inevitáveis" na política externa, a
Presidência da República e o Itamarati realizaram um trabalho de preparação
junto ao Conselho de Segurança Nacional, à ESG e outras instituições
formuladoras das estratégias nacionais para dar suporte político e, pragmático
e ideológico a principal decisão do governo nesse período: o reatamento das relações
diplomáticas com a República Popular da China, realizado em 15 de agosto de
1974 durante a visita de uma missão desse país ao Brasil.
Na
mesma data, foi firmado um compromisso comercial entre os dois países, pouco
tempo depois, como já era esperado, a China Nacionalista (Formosa ou Taiwan)
romperia relações diplomáticas com o Brasil.
As
atitudes de seu governo em relação a uma nova política externa começou a
incomodar Os Estados Unidos que não via com bons olhos as atitudes do Brasil.
Tudo
começou quando na segunda quinzena de outubro e nos primeiros dias de novembro
de 1975, Geisel iniciou uma série de decisões aprofundando a linha pragmática
de sua política externa, embora algumas delas tenham sido contestadas pelos
setores mais conservadores do próprio governo.
Num
ato inédito de seu governo em 17 de outubro, a Companhia Brasileira de
Entrepostos e Comércio fecharia um contrato de exportação de trezentas mil
toneladas de soja para a União Soviética.
Além
disso, no dia seguinte a delegação brasileira na ONU votaria a favor de uma
moção que condenava o sionismo, política adotada pelo governo de Israel em
relação aos países árabes do Oriente Médio - como uma forma de discriminação
racial, provocando uma nota oficial de desaprovação enviada ao Itamarati pelo
governo norte-americano.
Em
razão desse ato, foi amplamente divulgado que a mudança da posição brasileira
em relação ao Oriente Médio estava ligada diretamente à necessidade de
aproximação com os países árabes exportadores de petróleo, inimigos de Israel.
De
acordo com o Jornal do Brasil de 14 de março de 1976, o chanceler Azeredo da
Silveira teria declarado ao chanceler americano Henry Kissinger, seu colega de
diplomacia que "se vocês tivessem um milhão de barris de petróleo para nos
fornecer diariamente, talvez essa mudança não fosse tão brusca".
Entretanto
a política externa brasileira não parava por ai. No dia 5 de novembro de 1975,
o Brasil tomaria uma decisão histórica ao votar a favor de um projeto de
resolução da ONU que condenava o regime racista da África do Sul ao mesmo tempo
em que recomendava a suspensão do fornecimento de matérias-primas estratégicas
para esse país.
Porém
a decisão mais controversa desse período, entretanto, foi o reconhecimento, em
10 de novembro, do governo angolano em fase de implantação pelo pró-comunista
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cujas forças militares, em
grande parte apoiadas por tropas cubanas, e financiadas por este governo
estavam derrotando no campo de batalha os outros dois grupos rivais, a Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência
Total de Angola (UNITA), que lutavam ao lado de tropas do governo da África do
Sul e recebiam apoio material e maciço dos Estados Unidos, de outras nações
ocidentais e da China.
Através
do parecer de seu representante em Luanda, ministro Ovídio de Andrade Melo, o
governo brasileiro tornar-se-ia o primeiro a reconhecer a República Popular de
Angola, proclamada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) pouco
depois de consolidar seu controle sobre a capital do país. Apesar de duramente
criticada na ocasião, essa decisão foi fortalecida pela evolução da guerra
civil, favorável ao MPLA, como da mesma forma viria posteriormente seu governo,
mesmo de tendência- marxista-leninista ser reconhecido pela maioria dos países
do mundo.
Também
em 14 de novembro, o Itamarati anunciaria o estabelecimento de relações
diplomáticas em nível de embaixada com Moçambique, outra antiga colônia
portuguesa na África e também governada nessa época pelos líderes da guerrilha
de tendência marxista-leninista.
Internamente,
ainda em 1974, nas eleições para o parlamento, o governo do presidente Geisel
também viria a aceitar a derrota para o MDB, partido de oposição ao seu
governo, quando conseguiu eleger 16 senadores em Estados importantes da
Federação, embora ainda tivesse a maioria no senado através der seu partido
político, a ARENA.
A
bancada de deputados federais do MDB também aumentaria consideravelmente
chegando a ultrapassar 150 (cento e cinquenta) membros e a ARENA tendo uma
redução considerável com menos de 200 (duzentos) deputados, embora ainda
mantivesse a maioria.
No
dia 26 de outubro de 1975, o general Ednardo D’Ávila Melo, comandante do II Exército,
havia distribuído nota oficial comunicando que o jornalista Vladimir Herzog
fora encontrado morto por enforcamento em uma das celas do Centro de Operações
para a Defesa Interna, ligado ao Departamento de Operações Internas e conhecido
pela sigla DOI-CODI, organismo militar responsável pela coordenação dos
diversos centros de polícia política em cada região.
O
jornalista Vladimir Herzog era na época do fato o diretor-responsável do
Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo e editor de cultura da
revista Visão. Sua morte causaria grande impacto e repercussão na opinião
pública o que viria a causar forte suspeição à versão oficial.
Segundo
as fontes citadas, o secretário de Imprensa da Presidência da República,
Humberto Barreto, revelaria então pela primeira vez o clima de confrontação
existente entre o presidente e os órgãos de repressão política, especialmente
os de São Paulo, contestadores da distensão e ligados ao ministro do Exército,
general Sílvio Frota.
Em
decorrência desse fato o seu secretário de imprensa Humberto Barreto chegara a
pedir demissão de seu cargo, mas fora convencido a permanecer pelo próprio
Geisel, que revelara necessitar de pessoas fiéis para desarticular o esquema
adversário.
Geisel
já sabia que alguns militares de alta patente do Exército já articulavam um
golpe militar para depô-lo, mas tinha um homem de extrema lealdade e confiança
que já vinha há muito tempo monitorando todos os acontecimentos: esse homem era
nada mais nada menos que seu ministro Chefe de Segurança de Nacional, general
João Baptista de Oliveira Figueiredo que o sucederia na presidência da
República levando o Brasil ao retorno ao regime democrático.
Com
a aproximação da missa de sétimo dia pela alma do Jornalista Vladimir Herzog, o
então ministro Golberi do Couto e Silva transmitiu recomendações aos
Jornalistas paulistas para que não aceitassem e evitassem provocações capazes
de radicalizar ainda mais a situação.
A
missa seria rezada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo
Arns, um dos maiores críticos do Regime Militar e reuniria milhares de pessoas
na Catedral da Sé em um ambiente de grande tensão, acabando por tornar-se a
primeira manifestação política de envergadura contra o governo do presidente
Ernesto Geisel.