Governo
de Alagoas reconhece que educação no Estado está no vermelho. Faltam 3,4 mil
professores na rede pública
Por Luciano Máximo | De Maceió,
Belém e Arapiraca (AL). Valor Econômico – 13.06.2013. Manchete e Edição do
jornalista Roberto Ramalho
Na Escola Estadual Marques da Silva, localizada em
Belém, cidade de 4,5 mil habitantes da região de Arapiraca, a noite da
quarta-feira foi oficializada como período sem aulas. Sem professores para
ensinar matemática, química e física, a escola fecha e os alunos, já
acostumados com o problema, nem aparecem. A falta de docentes não é
exclusividade do pequeno município.
Em Alagoas, Estado com os piores
indicadores educacionais do país, a rede estadual tem carência de 3,4 mil
professores, da pré-escola ao ensino médio. O número de ausentes representa
quase 30% do quadro total da rede estadual.
O próprio governo reconhece o
problema, admite incapacidade para resolvê-lo no curto prazo e culpa o passado.
Pelo lado da gestão, o reflexo direto disso é a institucionalização do caos:
escolas "oficializam" dias sem aula no calendário, diretores fazem
tremendo esforço para repor aulas perdidas, professores trabalham além da conta
e a Secretaria Estadual de Educação quebra a cabeça para preencher espaços com
temporários, os chamados monitores.
Do ponto de vista pedagógico é
inegável a perda de qualidade: Alagoas é um dos três Estados brasileiros (ao
lado de Espírito Santo e Sergipe, Estado que também amarga carência de
docentes) que regrediram no ensino médio no Índice Nacional de Desenvolvimento
da Educação Básica (Ideb), sistema que mede a qualidade educacional com base em
avaliações de português, matemática e no fluxo escolar. De 2005 a 2011, a nota
alagoana no indicador recuou de 3 para 2,9 - a média nacional de 2011 (ano da
última medição) ficou em 3,7 e a nordestina, em 3,2.
Conforme o Censo Escolar 2012, a
rede estadual alagoana tem mais de 225 mil alunos, 45% matriculados no ensino
médio, nível escolar mais problemático da educação brasileira. No total, o
Estado tem um efetivo de 11,7 mil professores, divididos em 7,9 mil
concursados, com as vantagens e deveres da carreira pública, e 3,8 mil
monitores, com menos responsabilidades que os colegas estatutários e salário
inferior e, muitas vezes, atrasado.
Ivanisy Ferreira de Souza, de 22 anos, foi
selecionada, no começo do ano letivo de 2013, para trabalhar como monitora de
educação física da Escola Marques da Silva, de Belém. Até meados de maio, ela
ainda não havia recebido o primeiro salário, de R$ 11,16 por hora-aula, cerca
de R$ 500 mensais a menos que um colega concursado em início de carreira.
"Eu ligo, os outros professores ligam, mas dizem que estão resolvendo.
Espero que eles paguem logo o valor acumulado", cobra a jovem docente.
A escola em que Ivanisy trabalha tem nove
professores temporários e quatro efetivos. Não é suficiente, e a escola fica
uma noite por semana sem atividade. A justificativa da coordenadora pedagógica
Marinhalha da Silva é: "Não há saída". "Eu, como gestora, não
posso assumir uma classe. Pedimos para a secretaria mandar professores de outras
cidades, mas não fomos atendidos. Os monitores poderiam ficar, mas cumprem sua
hora-aula e vão embora, têm licenças em outras escolas, não são muito
envolvidos no dia a dia da nossa escola, e isso também é muito ruim porque
afeta a qualidade", relata Marinhalha, que trabalha na mesma escola há 28
anos e "não vê a hora de se aposentar".
Considerada uma das melhores escolas do Estado, com
Ideb 4,5 para os anos finais do ensino fundamental, a Adriano Jorge, com 900
alunos, 25 professores efetivos e nove monitores, dispensava alunos antes do
horário, mas diretora e professores se comprometeram "a trabalhar um pouco
mais" para cobrir a carência em artes e geografia da unidade, que fica no
centro de Arapiraca, segunda maior cidade alagoana. Ao contrário da colega de
Belém, a diretora Luciana Barros dá aulas "para não deixar o circo pegar
fogo" e acaba ficando com uma rotina diária que começa de manhã e só
termina à noite - e ainda sobra trabalho para casa.
"Ainda bem que só falta docentes em duas
matérias, mas a reclamação é geral. Mesmo assim, como nossa escola é pequena,
se duas turmas ficarem sem aula é impossível trabalhar nas outras classes por
causa do barulho, então damos atividades de outras disciplinas ou jogos, eles
nunca ficam sem fazer nada. As aulas perdidas são pagas nas férias, mas não é a
mesma coisa", conta Luciana.
A recém-reformada Escola Estadual Rosalvo Lobo, na
periferia de Maceió, perdeu 500 alunos, que foram remanejados durante as obras,
e a falta de docentes foi atenuada. Agora o que ficou pendente para resolver,
na opinião da diretora-adjunta Quitéria Maria Guedes, é a contratação dos
temporários da unidade. "São muitos monitores no quadro. Isso complica a
vida da escola, porque eles não dão aula de reforço, não participam das atividades
de planejamento", diz Quitéria.
A pedagoga Adenize Acioli Costa avalia que a
educação alagoana atingiu um ponto sem volta. "Está provado que políticas
pontuais não levam a nada, apenas ao mascaramento de que o Estado faz alguma
coisa." O representante da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) em Alagoas, Milton Canuto, conta
que a situação atual é reflexo de um plano de demissão voluntária de
professores, lançado nos anos 1990. "Muita gente aderiu, o Estado ficou
com uma massa enorme de aposentados ", diz.
O secretário estadual de Educação
de Alagoas, Adriano Soares, prevê que a falta de docentes vai continuar por
pelo menos mais um ano ou dois. Ele admite que o Estado tem um sério problema
de caixa, causado pela gigante folha de pagamento dos professores aposentados.
"São mais aposentados [9.957] que efetivos [7.977]. Passamos do patamar
prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal e usamos todo o Fundeb para
salários. Só vamos conseguir lançar um concurso público no meio do ano para
suprir metade da nossa carência, 1,7 mil vagas."
Esta é a
terceira e última reportagem da série sobre educação no Semiárido. O repórter
viajou a convite do projeto Mídia e Controle Social (Andi/Unicef).