Artigo - Brumadinho: Dois anos de uma tragédia (crime) anunciada. Roberto Ramalho é advogado e foi procurador do município de Maceió. Roberta Acioli é advogada e Pós-Graduanda em Direito Previdenciário pela Faculdade Damásio.
Em entrevista ao Sistema Globo de Rádio no ano da tragédia que completa nessa data dois anos (25.01.2021), o
cientista político Humberto Dantas, pesquisador da Uninove, afirmava sobre a
sensação de impunidade no Brasil. Segundo
ele “absolutamente esperado que se
mostre que tragédia não foi um acidente, e sim um crime”.
A Polícia Federal abriu inquérito para
apurar causas do rompimento da barragem em Brumadinho. Foram colhidos depoimentos
e relatos que pudessem ajudar na elucidação do caso. No crime cometido em
Brumadinho, morreram mais de 200 pessoas e ainda existem pelo menos 10 pessoas
desaparecidas.
Na época o Promotor que estava a
frente das investigações em Mariana defendeu que barragens fossem proibidas.
Segundo Guilherme de Sá, responsável pelo auxílio judicial às vítimas de Mariana,
era preciso proibir barragens feitas com alteamento para montante. O modelo é o
mesmo usado pela Vale.
O mais grave de tudo é que a imprensa
noticiou que faltavam fiscais para as 790 barragens de rejeitos de minério no
Brasil. E parece que tido está do mesmo jeito. Isso é inaceitável.
Até parece que vidas humanas, dos
animas e a natureza, não valem nada! O destacado
e experiente jornalista André Trigueiro conversando sobre
a tragédia disse naquela ocasião com a também jornalista Petria Chaves, apresentadora
da Rádio CBN, que se os fiscais fossem verificar in loco a
situação das barragens, só conseguiriam fiscalizar 3% ao ano.
Na época do acontecimento o governador
de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), havia
afirmado em entrevista logo após o acontecimento, que eram mínimas as chances
de encontrar sobreviventes da tragédia em Brumadinho. Disse ele na ocasião: "Vamos
resgatar somente corpos", lamentou. Zema comparou o rompimento com o caso
de Mariana, que ocorreu em 2015. "O vazamento tem uma característica diferente
daquele que aconteceu em Mariana que foram centenas de quilômetros. Este teve
um maior número de vítimas, mas vai ficar territorialmente mais limitado".
O presidente da Vale, Fábio
Schvartsman, disse após o desastre que o rompimento teria um impacto mais
humano do que ambiental. Segundo ele, a maior parte das vítimas eram de
funcionários da empresa. Afirmou ele:
"Dessa vez é uma tragédia humana.
Estamos falando de uma quantidade provavelmente grande de vítimas. Não sabemos
quantas, mas sabemos que será um número grande", logo depois de
acontecer a tragédia. Deveria ter sido preso. Porém, o MPF não requereu sua
prisão, mas de alguns engenheiros de uma empresa contratada pela Vale para dar
um laudo sobre a situação. E o que fizeram? Disseram que estava tudo bem e que
tinham sido forçados a dizer isso para não perderem seus empregos.
Naquela oportunidade o Ministério
Público Federal decidiu não recorrer da decisão do STJ que libertou três
engenheiros da Vale e dois da empresa alemã TÜV SÜD, que haviam sido presos. Os procuradores avaliaram que
tinham material suficiente para a investigação e que os envolvidos
não representavam ameaças às provas sobre a tragédia em Brumadinho. Os
documentos colhidos reforçavam a tese de que a Vale sabia do perigo
de rompimento da barragem
De acordo com funcionários da Vale
deslocados para Brumadinho, diferentemente do acidente em Mariana, dessa vez o
impacto havia sido mais concentrado. A avalanche de lama havia atingido
fortemente áreas da própria empresa, inclusive o refeitório no horário de
almoço.
A Vale, durante a tragédia ambiental,
montou duas estruturas de apoio às vítimas e familiares. Atendendo a pedidos,
toneladas de alimentos e outros utensílios foram enviados para os moradores de
Brumadinho. Foram doações muito importantes.
O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)aplicou na época uma multa no valor
de R$ 250 milhões à Vale, pela ruptura da barragem da companhia em Brumadinho
(MG). Segundo o órgão, os danos ao meio ambiente haviam resultado em cinco
autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada um, o máximo previsto na Lei
de Crimes Ambientais. Ainda segundo o IBAMA haviam sido aplicados os seguintes
artigos:
Causar poluição que possa resultar em
danos à saúde humana;
Tornar área urbana ou rural imprópria
para a ocupação humana;
Causar poluição hídrica que torne
necessária a interrupção do abastecimento de água;
Provocar, pela emissão de efluentes ou
carregamento de materiais, o perecimento de espécimes da biodiversidade;
Lançar rejeitos de mineração em
recursos hídricos.
Justiça acata pedido de Promotoria e
bloqueia R$ 5 bilhões da Vale para reparação de danos.
A
Justiça de Minas Gerais acatou pedido do Ministério Público do estado e determinou o bloqueio de R$ 5
bilhões da Vale. O valor seria utilizado para garantir a adoção de medidas
emergenciais e a reparação de danos ambientais decorrentes do rompimento da
barragem da empresa em Brumadinho. Anteriormente a Justiça tinha acatado outro
pedido, este da Advocacia-Geral de Minas
Gerais, para o bloqueio de R$ 1 bilhão. Anteriormente o IBAMA já havia
anunciada uma multa de R$ 250 milhões à mineradora por danos ambientais.
Reportagem do Jornal Folha de São Paulo,
o advogado-geral da União, André Mendonça havia afirmado que a mineradora Vale
era a responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG). O desastre
matou mais de 200 pessoas, contando os desaparecidos. Disse ele naquela oportunidade: "Há
uma responsabilidade pelo que aconteceu. A responsável por isso, pelo risco do
próprio negócio, é a empresa Vale. O que nós precisamos ver nesse momento é
aguardar as apurações, os levantamentos dos órgãos técnicos, para verificar a
extensão desse dano e como serão adotadas as medidas de responsabilidade",
após participar de reunião no Palácio do Planalto do gabinete de crise que
tratava do caso. O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) declarou, na
época que as responsabilidades podem ser nas esferas civil, administrativa e
até criminal.
Em relação a esse terrível crime ambiental,
descrevemos uma parte da legislação sobre o assunto, abaixo:
LEI nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE
1998 -
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, e da outras providencias.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber
que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPITULO I-DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1º - (VETADO)...
Artigo 2° - Quem, de qualquer forma,
concorre para a pratica dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a
estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o
administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o
preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de
outrem, deixar de impedir a sua pratica, quando podia agir para evitá-la.
Artigo 3º - As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da
sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não
exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou participes do mesmo fato.
Artigo 4º - Poderá ser desconsiderada
a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados a qualidade do meio ambiente.
Artigo 5º - (VETADO)...
CAPITULO II - DA APLICAÇÃO DA PENA.
Artigo 6º - Para imposição e gradação
da penalidade, a autoridade competente observara:
I - a gravidade do fato, tendo em
vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde publica e para o
meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator
quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III - a situação econômica do
infrator, no caso de multa.
E
de acordo com a jurista Meire Lopes Montes, "desimporta
e é irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes de
responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral, na qual o dever
de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado
pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve
assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, desimportando
se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi
obra do acaso ou de força maior".
Nesse sentido, o assunto em questão
está contemplado na doutrina e na farta jurisprudência dominante, assim como a
Política Nacional do Meio Ambiente.
De acordo com a Lei 6938/81,
artigo 4º, o poluidor, independente de culpa, é
obrigado a reparar os danos por ele causados, mesmo se estiver cumprindo com
todas as normas e padrões ambientais. E o pior de tudo que sequer estava
cumprindo com o que determina a legislação em vigor.
Nesse sentido o Direito Ambiental foi
violado pela empresa Vale.
Marli T Deon Sette define Direito Ambiental como
a ciência jurídica que estuda, analisa e discute os problemas inerentes ao uso
e a apropriação dos bens e serviços ambientais, bem como, por meio de normas e
princípios, propõe medidas e instrumentos com vistas a harmonizar a relação do
meio ambiente com o ser humano, de forma a obter as melhores condições de vida
no planeta para as presentes e futuras gerações”. (DEON SETTE, MARLI T. Direito ambiental. Ed., 2009, p. 50).
PRINCÍPIOS, segundo
Canotilho.
“os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionantes
facticos e jurídicos. Permitem o balanceamento de valores e interesses, mas não
obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada, consoante o seu peso e
ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes” (CANOTILHO,
2008).
Também foram violados
todos os PRINCÍPIOS AMBIENTAIS, a saber:
ü
Democrático - Aqueles que sofrem os impostos têm o
direito de se manifestarem sobre ele (informação e participação).
ü
Precaução - Aplicável a
impactos desconhecidos.
ü
Prevenção - Aplicável a
impactos conhecidos.
ü
Equilíbrio - Todas as
consequências de uma intervenção no ambiente devem ser consideradas.
ü
Responsabilidade - Aquele que causa
danos ao meio ambiente deve responder por suas ações.
ü
Poluidor Pagador - “quem suja, limpa”.
A
Imprensa internacional repercutiu o rompimento de barragem da Vale. O
jornal El País, na Espanha, destacou a declaração do governador Romeu Zema.
Ele afirmou naquela época que a chance de encontrar desaparecidos com vida era
mínima. Nos Estados Unidos, o The New York Times destacava que o
presidente Bolsonaro havia sobrevoado a zona do desastre. O jornal Clarín, da Argentina, dizia que "Um rio de lama destruiu várias casas perto da cidade de
Brumadinho".
Até
esse dia 25 de janeiro de 2021 o número de mortos na tragédia de
Brumadinho (MG) havia subido para 270 mortos, segundo o mais novo boletim
da Defesa Civil e do gabinete militar de Minas Gerais divulgado recentemente. Há ainda
cerca de 20 desaparecidos. Atualmente uma pequena equipe do Corpo de Bombeiros
de Minas Gerais está atuando na usina ITM, na área administrativa (refeitório,
casa e estacionamento), na área da ferrovia, em áreas de acúmulo de rejeito. Há
20 homens em campo na busca pelas vítimas.
A tragédia foi, na verdade, um crime
ambiental. O maior que o país teve até hoje, com centenas de pessoas mortas,
além de animais, destruição de casas, propriedades, contaminação de rios,
sobretudo, o rio Paraopebas, por rejeitos minerais, muito tóxicos e do solo.
Espera-se que não haja impunidade, principalmente
aos sócios-majoritários e que respondem pela empresa Vale. O que se teme, mais uma vez, assim como aconteceu no desastre anterior,
o de Mariana, é que não fique tudo
na impunidade. Espera-se do MPF e MPE de Minas Gerais o rigor necessário em
busca da punição dos causadores do crime ambiental e que o Poder Judiciário não
demore em julgar esse fato lamentável e criminoso e a causa se arraste por anos
a fio, como é de praxe.
Referencias e fontes:
Site UOL –www.uol.com.
Site do Estadão – www.estadao.com.br.
Jornal Folha de São Paulo –
www.folha.com.br.
IBAMA – www.ibama.org.br.
LEI nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE
1998 – Lei de Crimes Ambientais.
Montes, Meire Lopes. Responsabilidade civil pelo dano ambiental.
In 10 anos da ECO-92: o direito e o desenvolvimento sustentável – Ten years
after rio 92: sustainable development and law. São Paulo: IMESP, 2002, páginas
587e598.
DEON SETTE, MARLI T. Direito ambiental. Coordenadores:
Marcelo Magalhães Peixoto e Sérgio Augusto Zampol Pavani. Coleção Didática jurídica, São Paulo: MP Ed., 2009, p. 50.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org). Direito constitucional ambiental
brasileiro. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008.
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