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Jornalista envolvido e preocupado com questões sociais e políticas que afligem nossa sociedade, além de publicar matérias denunciando pessoas ou entidades que praticam atos contra o interesse público e agindo, sempre, em defesa da sociedade.

sábado, 15 de março de 2025

Artigo – Dia Mundial do Consumidor – A exploração dos consumidores por Bancos, Financeiras e Operadoras de Cartões de Crédito. Roberto Ramalho é advogado, foi procurador do município de Maceió entre janeiro de 2001 a fevereiro de 2002 e é jornalista. www.ditoconceito.blogspot.com.br

1. Noções Gerais sobre o tema

Ao iniciar o “Special message to congress on protecting consumer interest” nome dado a esse importante discurso, o então Presidente Estatudinense afirma que “Consumidores, por definição, somos todos nós”. O discurso é recheado de referências a vários aspectos do consumo àquela época, mas também parece bem atual aos olhos de hoje. Visionário, Kennedy alerta para a necessidade do Estado efetivamente proteger os consumidores já que a evolução da economia trouxe benefícios inquestionáveis para a sociedade americana, mas tal fato não poderia ser desculpa para relaxar quanto aos aspectos da proteção ao consumidor. Disponível em: http://www.jfklibrary.org/Asset-Viewer/Archives/JFKPOF-037-028.aspx acesso em 13.03 de 2025.  

No sentido de proteger os consumidores efetivamente, o presidente aponta os seguintes direitos:

(1) O direito à segurança - de ser protegido contra a comercialização de produtos prejudiciais à saúde ou à vida.

(2) O direito de ser informado - de ser protegido contra informação, publicidade, rotulagem ou outras práticas que sejam fraudulentas, enganosas, ou grosseiramente falaciosas, e que sejam a ele dadas todas as informações das quais precisa para fazer uma escolha adequada.

(3) O direito de escolher - ser assegurado, sempre que possível, o acesso a uma variedade de produtos e serviços a preços competitivos; e nas indústrias em que a concorrência não é viável que a regulamentação governamental seja efetiva, deve também haver garantia de qualidade e serviço satisfatórios a preços justos.

(4) O direito de ser ouvido – para se ter a certeza de que os interesses dos consumidores receberão consideração completa e favorável na formulação das políticas de Governo, e também tratamento justo e rápido em seus tribunais administrativos. (grifos e tradução nosso).

Posteriormente, através da Lei n. 10.504, de 08 de julho de 2002, se instituiu, no Brasil, o Dia Nacional do Consumidor.  (BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. - Biblioteca de Direito do Consumidor; v. 39, p. 32).

É de fundamental importância mencionar e frisar que, a oferta e concessão de crédito têm uma relação direta com a dignidade da pessoa humana, desde que exista o devido respeito e consideração com o consumidor.

Fábio Konder Comparato explica que "a compreensão da dignidade da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, diante da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos" (F. K. Comparato. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Editora Saraiva1999. p. 30-31).

Nesse sentido, a proteção do consumidor, “não só porque esta proteção estende-se à proteção da vida, da saúde e da liberdade do consumidor, mas, principalmente, porque o consumo é o acesso primário ao mínimo existencial em uma sociedade capitalista justa e solidária”. Marques compreende que crédito é “um serviço especializado e oneroso que só pode ser prestado por alguns fornecedores do Sistema Financeiro Nacional. Crédito é um contrato real (se perfectibiliza com o ato da entrega do dinheiro pelo fornecedor-banco, administradora do cartão ou financeira), em que cabe ao consumidor-devedor a prestação típica, ‘pagar’ os juros (preço do crédito) e devolver o principal corrigido, e mais algumas taxas pelo uso desse tipo de crédito” (2010, p. 18).

Assim sendo, a possibilidade de inserção no mercado de consumo por meio da concessão de crédito é um importante indicador de uma sociedade digna e igualitária (DORINI, 2010, p. 45-46).

2. A ação agressiva de Bancos e Financeiras em relação a oferta de crédito em forma de empréstimos e o oferecimento de Cartões de Crédito e Débito pelas Operadoras de Cartões de Crédito e a cobrança abusiva de juros

É pacífico afirmar que os doutrinadores e especialista em ‘Direito do Consumidor’ e a jurisprudência consideram que o crédito passou a ser considerado um produto, por sua vez muito comercializado no mercado e que a sua concessão desempenha uma importante função social.

Diante das informações acima expostas, podemos compreender que o endividamento seguro e estável do consumidor é considerado além de normal e importante, um fator intrínseco decorrente do mercado econômico.

Assim sendo, houve um ‘boom’ na oferta de produtos e serviços financeiros que aumentou expressivamente. Dessa forma, em decorrência disso, os fornecedores do denominado ‘Mercado Financeiro” se utilizam dessas ferramentas para acompanhar as mudanças e explorar a atividade.

No entanto, observa-se e verifica-se que essas práticas acabam sendo cada vez mais agressivas, em face do uso massivo de publicidade enganosa na grande maioria - e no uso de meios de inovação diária para fins de vincular operações de crédito a toda espécie de negociação de consumo, como, por exemplo, a utilização de Call Centers.

Marques, Lima e Bertoncello explicam que a oferta de produtos e serviços financeiros tem-se ampliado progressivamente, e os fornecedores vêm adotando práticas comerciais cada vez mais agressivas, recorrendo à publicidade maciça e a novos artifícios para vincular operações de crédito a toda espécie de transação de consumo diariamente empreendida pela população (2010, p. 10).

Verifica-se e observa-se, portanto, que a utilização das novas tecnologias e a globalização do Mercado Financeiro juntas com a concessão de crédito, incentiva o uso abusivo da publicidade totalmente direcionada ao consumo, e que acabam transcendendo os limites territoriais e encurtando as distâncias para a comunicação.

Com o surgimento da internet ficou fácil e rápida a disseminação com a facilidade e rapidez na concessão de crédito e aquisição de bens, promovendo o consumismo. Uma das características do consumismo é o “descarte”. Essa descartabilidade de mercadorias vivenciada é originada pela constante troca de produtos, tanto de mercadorias, quanto de pessoas e, consequentemente, alterando o funcionamento de toda a sociedade, que será regrada sob tais moldes (PEREIRA; BOSSARDI, 2011, p. 112).

E necessário e fundamental que existe a total necessidade de conscientização de que as relações interpessoais, associadas ao conhecimento e a educação superam toda e qualquer tecnologia. Ainda, como característica da sociedade de consumo aparece a obsolescência programada, que estimula o mercado de consumo, em virtude de tornar os produtos inutilizáveis ou ultrapassados, despertando a demanda por um novo produto e a necessidade de descartar o que está em desuso (FRANCO, 2014, p. 45). Isso também acontece com o consumo de dinheiro por meio de empréstimos bancários, sejam eles tomados via gerência – cliente da Instituição Financeira têm o seu gerente de relacionamento -, por meio de empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento pela União, Estados e Municípios, CDC, Cartões Corporativos etc.

O sociólogo Zygmunt Bauman afirma que, com a criação dos cartões de crédito, houve uma inversão da ordem dos fatores; ou seja, antes, se você desejasse uma coisa, era preciso trabalhar e esperar para realizar seu sonho. Hoje, com os cartões de crédito, a ordem é inversa, pois você pode desfrutar imediatamente seu sonho e pagar depois. (BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 12).

Segundo o referido autor, a oferta de crédito é tão grande no mercado de consumo que a ausência de débitos não é o estado ideal. Afirma Bauman: “As pessoas que se recusam a gastar um dinheiro que ainda não ganharam, abstendo-se de pedi-lo emprestado, não têm utilidade alguma para os emprestadores, assim como as pessoas que (levadas pela prudência ou por honra hoje fora da moda) se esforçam para pagar seus débitos nos prazos estabelecidos. Para eles, o devedor ideal é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas”. BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 15.

3. O artigo 42 do Código do Consumidor sobre cobrança abusiva por parte de Instituições Financeiras e Operadoras de cartões de Crédito

O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe a cobrança abusiva de dívidas. Ele também prevê a devolução em dobro de valores pagos em excesso. 

Proibição de cobrança abusiva 

  • Não é permitido constranger, ameaçar, expor ao ridículo ou coagir o consumidor inadimplente
  • Não é permitido utilizar afirmações falsas, incorretas ou enganosas

Devolução em dobro

  • O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à devolução do valor pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais 
  • A devolução em dobro é possível se houver cobrança indevida, pagamento e violação da boa-fé objetiva 
  • Não é mais indispensável o dolo ou má-fé na cobrança 

O artigo 42 do CDC deve ser lido em conjunto com o artigo 71, que é a sua face penal. 

4. A Lei do Superendividamento

Objetivando a proteção do consumidor em geral e, sobretudo, em relação aos idosos, e a necessidade de conferir maior proteção aos consumidores entrou em vigor a Lei do Superendividamento, que nasceu num cenário de forte inadimplência, que já existia e era evidente, e que acabou sendo agravado pela pandemia da Covid-19.

A referida Lei diz que os consumidores que estiverem impossibilitados de pagar suas dívidas sem comprometer a sua sobrevivência podem ser beneficiados por ela. Assim, em resposta à problemática, observa-se o caráter preventivo trazido pela Lei do Superendividamento que estabeleceu regras para a concessão de crédito, e com isso proteger os consumidores, para que não fiquem superendividados.

Dessa forma, cumpre ao Poder Público e ao Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor exercer uma fiscalização eficiente para o cumprimento das disposições legais, bem como promover a educação financeira dos consumidores.

Infelizmente isso não vêm ocorrendo na prática e praticamente essa Lei do Superendividamento é desconhecida da maioria dos consumidores, inclusive, de servidores públicos federais, estaduais, municipais e de consumidores em geral que sempre estão contraindo novos empréstimos em Instituições Financeiras.

5. Conclusão

Em relação ao tratamento do superendividamento a lei traz relevantes alterações, que permitem recuperar o crédito do fornecedor, incluir socialmente o consumidor superendividado e, com isso, manter o mínimo existencial ao devedor.  Mas, o que se vê na prática não é exatamente isso e as Instituições Financeiras – Bancos, Financeiras e Operadoras de cartões de Crédito – não cumprem com o que determina a legislação em vigor e fingem que não tem conhecimento de sua existência.

Mesmo assim, constata-se que promulgação da Lei número 14.181/21 mostra-se um instrumento eficaz para efetivar os direitos dos consumidores e de promover a dignidade da pessoa humana, desde que as Instituições Financeiras acatem o que nela está descrito e determinado, senão se torna ‘letra morta’.

Outra grande inovação foi quanto a possibilidade de os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o PROCON, também participar da fase conciliatória. É a chamada conciliação administrativa, que foi trazida pela nova Lei e se encontra prevista no artigo 104-C do Código de Defesa do Consumidor.

Conclui-se que o processo de superendividamento possui como finalidade a revisão e integração dos contratos e a repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório. O advento da citada lei tem como principal finalidade a proteção da pessoa que não consegue saldar seus débitos não comprometendo o seu sustento, sobretudo, criando instrumentos para conter os abusos na oferta de crédito – que continua a todo vapor, infelizmente.

Dessa forma, a lei disciplina o dever de o credor não fornecer créditos sem que haja antes uma análise do caso concreto, buscando não colocar o devedor em situação de superendividamento, ou seja, sem que o consumidor comprometa o mínimo necessário à sua subsistência e, principalmente, em caso de já se encontrar bastante endividado buscar a solução definitiva no sentido de oferecer condições compatíveis para pagamento das dívidas existentes.

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS DE ACORDO COM A ORDEM CRONOLÓGICA

A integra da mensagem enviada ao congresso dos Estados Unidos está disponível na John F. Kennedy Presidential Library and museum. Disponível em: http://www.jfklibrary. org/Asset-Viewer/Archives/JFKPOF-037-028.aspx acesso em 13.03 de 2025.  

BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. - (Biblioteca de Direito do Consumidor; v. 39). p. 32.

BRASIL. Lei Número 14.181, de 1º de Julho de 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20192022/2021/Lei/L14181.htm>. Acesso em: 10 Mar. 2025.

DORINI, João Paulo. Direito de Acesso ao Consumo. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 75/2010, p. 43 – 79, Jul – set, 2010.

MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, Brasília, v. 75/2010, p. 9 – 42, jul./ set. 2010.

PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; BOSSARDI, Rafaela Beal. Relações de consumo ou o consumo de relações: as relações afetivas na contemporaneidade. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz Fernando Del Rio. Relações de consumo humanismo. Caxias do Sul, RS: Educs, 2011, p. 105-126.

PINTO, Felipe Chiarello de Souza; SGRIGNOLLI, Ruth Carolina Rodrigues. A (in)sustentável leveza da comunicação. Revista Direito UFMS, Campo Grande/MS, volume .4, jul/dez, 2018.

FRANCO, Cristiano de Moraes. A vulnerabilidade do consumidor ante a prática da obsolescência programada. Porto Alegre,2014 p. 1-65. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/129626/000975723.pdf?sequen ce=1. Acesso em 12 Mar 2025, p. 45.

BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 12.

BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 15.

BRASIL. Lei Número 14.181, de 1º de Julho de 2021. Lei dos Superendividados. 

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