Artigo – Dia Mundial do Consumidor – A exploração
dos consumidores por Bancos, Financeiras e Operadoras de Cartões de Crédito.
Roberto Ramalho é advogado, foi procurador do município de Maceió entre janeiro
de 2001 a fevereiro de 2002 e é jornalista. www.ditoconceito.blogspot.com.br
1. Noções Gerais sobre o tema
Ao iniciar o “Special message to congress
on protecting consumer interest” nome dado a esse importante discurso, o
então Presidente Estatudinense afirma que “Consumidores, por definição, somos
todos nós”. O discurso é recheado de referências a vários aspectos do consumo
àquela época, mas também parece bem atual aos olhos de hoje. Visionário,
Kennedy alerta para a necessidade do Estado efetivamente proteger os
consumidores já que a evolução da economia trouxe benefícios inquestionáveis
para a sociedade americana, mas tal fato não poderia ser desculpa para relaxar
quanto aos aspectos da proteção ao consumidor. Disponível em:
http://www.jfklibrary.org/Asset-Viewer/Archives/JFKPOF-037-028.aspx acesso em
13.03 de 2025.
No sentido de proteger os consumidores
efetivamente, o presidente aponta os seguintes direitos:
(1) O direito à segurança - de ser protegido contra a comercialização
de produtos prejudiciais à saúde ou à vida.
(2) O direito de ser informado - de ser protegido contra informação,
publicidade, rotulagem ou outras práticas que sejam fraudulentas, enganosas, ou
grosseiramente falaciosas, e que sejam a ele dadas todas as informações das
quais precisa para fazer uma escolha adequada.
(3) O direito de escolher - ser assegurado, sempre que possível, o
acesso a uma variedade de produtos e serviços a preços competitivos; e nas
indústrias em que a concorrência não é viável que a regulamentação
governamental seja efetiva, deve também haver garantia de qualidade e serviço
satisfatórios a preços justos.
(4) O direito de ser ouvido – para se ter a certeza de que os interesses
dos consumidores receberão consideração completa e favorável na formulação das
políticas de Governo, e também tratamento justo e rápido em seus tribunais
administrativos. (grifos e tradução nosso).
Posteriormente, através da Lei n. 10.504, de
08 de julho de 2002, se instituiu, no Brasil, o Dia Nacional do Consumidor. (BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo
e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. Revista e atualizada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. - Biblioteca de Direito do Consumidor; v.
39, p. 32).
É de fundamental importância mencionar e
frisar que, a oferta e concessão de crédito têm uma relação direta com a
dignidade da pessoa humana, desde que exista o devido respeito e consideração
com o consumidor.
Fábio Konder Comparato explica que "a
compreensão da dignidade da pessoa humana e de seus direitos, no curso da
História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento
moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, diante
da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso
pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações
aviltantes faz nascer nas consciências, a exigência de novas regras de uma vida
mais digna para todos" (F. K. Comparato. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. Editora Saraiva1999. p. 30-31).
Nesse sentido, a proteção do consumidor, “não
só porque esta proteção estende-se à proteção da vida, da saúde e da liberdade
do consumidor, mas, principalmente, porque o consumo é o acesso primário ao
mínimo existencial em uma sociedade capitalista justa e solidária”. Marques
compreende que crédito é “um serviço especializado e oneroso que só pode ser
prestado por alguns fornecedores do Sistema Financeiro Nacional. Crédito é um
contrato real (se perfectibiliza com o ato da entrega do dinheiro pelo
fornecedor-banco, administradora do cartão ou financeira), em que cabe ao
consumidor-devedor a prestação típica, ‘pagar’ os juros (preço do crédito) e
devolver o principal corrigido, e mais algumas taxas pelo uso desse tipo de
crédito” (2010, p. 18).
Assim sendo, a possibilidade de inserção no
mercado de consumo por meio da concessão de crédito é um importante indicador
de uma sociedade digna e igualitária (DORINI, 2010, p. 45-46).
2. A ação agressiva de Bancos e Financeiras em
relação a oferta de crédito em forma de empréstimos e o oferecimento de Cartões
de Crédito e Débito pelas Operadoras de Cartões de Crédito e a cobrança abusiva
de juros
É pacífico afirmar que os doutrinadores e
especialista em ‘Direito do Consumidor’ e a jurisprudência consideram que
o crédito passou a ser considerado um produto, por sua vez muito comercializado
no mercado e que a sua concessão desempenha uma importante função social.
Diante das informações acima expostas, podemos
compreender que o endividamento seguro e estável do consumidor é considerado
além de normal e importante, um fator intrínseco decorrente do mercado
econômico.
Assim sendo, houve um ‘boom’ na oferta
de produtos e serviços financeiros que aumentou expressivamente. Dessa forma,
em decorrência disso, os fornecedores do denominado ‘Mercado Financeiro”
se utilizam dessas ferramentas para acompanhar as mudanças e explorar a
atividade.
No entanto, observa-se e verifica-se que essas
práticas acabam sendo cada vez mais agressivas, em face do uso massivo de publicidade
– enganosa na grande maioria - e no uso de meios de inovação diária
para fins de vincular operações de crédito a toda espécie de negociação de
consumo, como, por exemplo, a utilização de Call Centers.
Marques, Lima e Bertoncello explicam que a oferta de produtos e serviços
financeiros tem-se ampliado progressivamente, e os fornecedores vêm adotando
práticas comerciais cada vez mais agressivas, recorrendo à publicidade maciça e
a novos artifícios para vincular operações de crédito a toda espécie de
transação de consumo diariamente empreendida pela população (2010, p. 10).
Verifica-se e observa-se, portanto, que a
utilização das novas tecnologias e a globalização do Mercado Financeiro juntas
com a concessão de crédito, incentiva o uso abusivo da publicidade totalmente direcionada
ao consumo, e que acabam transcendendo os limites territoriais e encurtando as
distâncias para a comunicação.
Com o surgimento da internet ficou fácil e rápida
a disseminação com a facilidade e rapidez na concessão de crédito e aquisição
de bens, promovendo o consumismo. Uma das características do consumismo é o “descarte”.
Essa descartabilidade de mercadorias vivenciada é originada pela constante
troca de produtos, tanto de mercadorias, quanto de pessoas e, consequentemente,
alterando o funcionamento de toda a sociedade, que será regrada sob tais moldes
(PEREIRA; BOSSARDI, 2011, p. 112).
E necessário e fundamental que existe a total
necessidade de conscientização de que as relações interpessoais, associadas ao
conhecimento e a educação superam toda e qualquer tecnologia. Ainda, como
característica da sociedade de consumo aparece a obsolescência programada, que
estimula o mercado de consumo, em virtude de tornar os produtos inutilizáveis
ou ultrapassados, despertando a demanda por um novo produto e a necessidade de
descartar o que está em desuso (FRANCO, 2014, p. 45). Isso também
acontece com o consumo de dinheiro por meio de empréstimos bancários, sejam
eles tomados via gerência – cliente da Instituição Financeira têm o seu
gerente de relacionamento -, por meio de empréstimos consignados com
desconto em folha de pagamento pela União, Estados e Municípios, CDC,
Cartões Corporativos etc.
O sociólogo Zygmunt Bauman afirma que, com a
criação dos cartões de crédito, houve uma inversão da ordem dos fatores; ou
seja, antes, se você desejasse uma coisa, era preciso trabalhar e esperar para
realizar seu sonho. Hoje, com os cartões de crédito, a ordem é inversa, pois
você pode desfrutar imediatamente seu sonho e pagar depois. (BAUMAN,
Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar,
2010. p. 12).
Segundo o referido autor, a oferta de crédito
é tão grande no mercado de consumo que a ausência de débitos não é o estado
ideal. Afirma Bauman: “As pessoas que se recusam a gastar um dinheiro que ainda
não ganharam, abstendo-se de pedi-lo emprestado, não têm utilidade alguma para
os emprestadores, assim como as pessoas que (levadas pela prudência ou por
honra hoje fora da moda) se esforçam para pagar seus débitos nos prazos
estabelecidos. Para eles, o devedor ideal é aquele que jamais paga
integralmente suas dívidas”. BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário.
Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 15.
3. O artigo 42 do Código do Consumidor sobre
cobrança abusiva por parte de Instituições Financeiras e Operadoras de cartões
de Crédito
O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC) proíbe a cobrança abusiva de dívidas. Ele também prevê a devolução
em dobro de valores pagos em excesso.
Proibição de cobrança abusiva
- Não
é permitido constranger, ameaçar, expor ao ridículo ou coagir o consumidor
inadimplente
- Não
é permitido utilizar afirmações falsas, incorretas ou enganosas
Devolução em dobro
- O
consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à devolução do valor
pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais
- A
devolução em dobro é possível se houver cobrança indevida, pagamento e
violação da boa-fé objetiva
- Não
é mais indispensável o dolo ou má-fé na cobrança
O artigo 42 do CDC deve ser lido em conjunto
com o artigo 71, que é a sua face penal.
4. A Lei
do Superendividamento
Objetivando a proteção do consumidor em geral
e, sobretudo, em relação aos idosos, e a necessidade de conferir maior proteção
aos consumidores entrou em vigor a Lei do Superendividamento, que nasceu
num cenário de forte inadimplência, que já existia e era evidente, e que acabou
sendo agravado pela pandemia da Covid-19.
A referida Lei diz que os consumidores que
estiverem impossibilitados de pagar suas dívidas sem comprometer a sua
sobrevivência podem ser beneficiados por ela. Assim, em resposta à
problemática, observa-se o caráter preventivo trazido pela Lei do
Superendividamento que estabeleceu regras para a concessão de crédito, e
com isso proteger os consumidores, para que não fiquem superendividados.
Dessa forma, cumpre ao Poder Público e ao
Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor exercer uma fiscalização eficiente
para o cumprimento das disposições legais, bem como promover a educação
financeira dos consumidores.
Infelizmente isso não vêm ocorrendo na prática e praticamente essa Lei do Superendividamento é desconhecida da maioria dos consumidores, inclusive, de servidores públicos federais, estaduais, municipais e de consumidores em geral que sempre estão contraindo novos empréstimos em Instituições Financeiras.
5. Conclusão
Em relação ao tratamento do
superendividamento a lei traz relevantes alterações, que permitem recuperar o
crédito do fornecedor, incluir socialmente o consumidor superendividado e, com
isso, manter o mínimo existencial ao devedor. Mas, o que se vê na prática não é exatamente
isso e as Instituições Financeiras – Bancos, Financeiras e Operadoras de
cartões de Crédito – não cumprem com o que determina a legislação em vigor e
fingem que não tem conhecimento de sua existência.
Mesmo assim, constata-se que promulgação da Lei
número 14.181/21 mostra-se um instrumento eficaz para efetivar os direitos
dos consumidores e de promover a dignidade da pessoa humana, desde que as
Instituições Financeiras acatem o que nela está descrito e determinado, senão
se torna ‘letra morta’.
Outra grande inovação foi quanto a
possibilidade de os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o
PROCON, também participar da fase conciliatória. É a chamada conciliação administrativa,
que foi trazida pela nova Lei e se encontra prevista no artigo 104-C do Código
de Defesa do Consumidor.
Conclui-se que o processo de
superendividamento possui como finalidade a revisão e integração dos contratos
e a repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório.
O advento da citada lei tem como principal finalidade a proteção da pessoa que
não consegue saldar seus débitos não comprometendo o seu sustento, sobretudo, criando
instrumentos para conter os abusos na oferta de crédito – que continua a todo
vapor, infelizmente.
Dessa forma, a lei disciplina o dever de o
credor não fornecer créditos sem que haja antes uma análise do caso concreto,
buscando não colocar o devedor em situação de superendividamento, ou seja, sem
que o consumidor comprometa o mínimo necessário à sua subsistência e,
principalmente, em caso de já se encontrar bastante endividado buscar a solução
definitiva no sentido de oferecer condições compatíveis para pagamento das
dívidas existentes.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS DE ACORDO COM A
ORDEM CRONOLÓGICA
A integra da mensagem enviada ao congresso
dos Estados Unidos está disponível na John F. Kennedy Presidential Library and
museum. Disponível em: http://www.jfklibrary.
org/Asset-Viewer/Archives/JFKPOF-037-028.aspx acesso em 13.03 de 2025.
BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e
aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. Revista e atualizada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. - (Biblioteca de Direito do Consumidor; v.
39). p. 32.
BRASIL. Lei Número 14.181, de 1º de Julho de
2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20192022/2021/Lei/L14181.htm>.
Acesso em: 10 Mar. 2025.
DORINI, João Paulo. Direito de Acesso ao Consumo. Revista dos
Tribunais, São Paulo, vol. 75/2010, p. 43 – 79, Jul – set, 2010.
MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre
prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista
de Direito do Consumidor, Brasília, v. 75/2010, p. 9 – 42, jul./ set. 2010.
PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; BOSSARDI, Rafaela Beal.
Relações de consumo ou o consumo de relações: as relações afetivas na
contemporaneidade. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz
Fernando Del Rio. Relações de consumo humanismo. Caxias do Sul, RS: Educs,
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PINTO, Felipe Chiarello de Souza; SGRIGNOLLI, Ruth
Carolina Rodrigues. A (in)sustentável leveza da comunicação. Revista Direito
UFMS, Campo Grande/MS, volume .4, jul/dez, 2018.
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Disponível em:
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/129626/000975723.pdf?sequen
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BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar.
Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 12.
BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Trad. Eliana Aguiar.
Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 15.
BRASIL. Lei Número 14.181, de 1º de Julho de 2021. Lei dos Superendividados.
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